terça-feira, 7 de abril de 2009

Os Tachos Dourados do PSI 20

O seguinte artigo foi publicado na visão, no final de 2008 e mostra bem a promiscuidade nojenta entre a nossa classe politica e as empresas dos sectores que tutelaram. Isto é pior que enriquecimento ilícito, é não ter a mínima vergonha na cara! Hajam tachos dourados para dar. Foi retirado daqui.


Os trunfos políticos do PSI 20

Três quartos das 20 maiores empresas cotadas na Bolsa de Lisboa têm antigos governantes no topo da sua gestão. As relações entre o poder político e o económico continuam a dar que falar e carecem de mais mecanismos destinados a salvaguardar a transparência e a afastar quaisquer suspeitas


POR FRANCISCO GALOPE* ILUSTRAÇÃO HÉLDER OLIVEIRA


Da próxima vez que se sentarem juntos a uma mesa não será, decididamente, para jogar póquer. As apostas se
rão bem mais volumosas do que numa simples partida de cartas.

Em breve, três antigos ministros que tutelaram as obras públicas poderão ter de se encontrar para renegociar o contrato de concessão da gestão e exploração das travessias rodoviárias do rio Tejo.

A Lusoponte, a empresa concessionária, detentora do exclusivo do negócio na área de Lisboa, conta com dois pesos-pesados do seu lado: Ferreira do Amaral e Jorge Coelho, dois ex-governantes que, a dada altura, negociaram com a empresa, em representação do Estado, o contrato de concessão e os acordos de reequilíbrio. O terceiro elemento a ir a jogo, conforme noticiou o Público, será Murteira Nabo, ministro da área, no primeiro Governo de Guterres, e agora chairman da Galp Energia, a quem caberá dirigir a comissão técnica criada pelo Executivo para decidir sobre aquelas negociações.

Ferreira do Amaral tutelou as Obras Públicas, nas duas maiorias absolutas de Cavaco Silva. Foi ele quem lançou o concurso para a construção da Ponte Vasco da Gama e que, em 1994, concessionou aquela travessia à Lusoponte. Hoje, é presidente não-executivo da empresa.

Por seu turno, Jorge Coelho, enquanto ministro da mesma pasta, no segundo Executivo de António Guterres, negociou, em 2001, um acordo com a empresa, visando acabar com os sucessivos pedidos de reequilíbrio financeiro. Actualmente, é o presidente executivo da Mota-Engil, a principal accionista da Lusoponte.

Na segunda-feira, 6, os holofotes dirigiram-se, uma vez mais, para Jorge Coelho. O PSD apontou-lhe as suas baterias, acusando o Governo de José Sócrates de beneficiar a Liscont, uma empresa do grupo Mota-Engil à qual foi concedida a exploração do terminal portuário de Alcântara, sem concurso público, por mais 27 anos.

«Há um favorecimento do Governo a esta empresa que, até agora, foi a única que, com a decisão, ganhou a adjudicação ou uma indemnização se lhe for retirado esse direito», declarou o social-democrata Luís Rodrigues, num almoço com jornalistas.


Coelho manteve-se incontactável. Pelo menos para os jornalistas da VISÃO.

Coincidências ou não, estes casos são ilustrativos das dúvidas que podem ser suscitadas quando a transição entre as cadeiras do poder político e do poder económico é tão... natural.

«Nesse domínio, há sempre a percepção de promiscuidade e isso não é bom para o sistema político, que, em si, já merece uma apreciação bastante negativa por parte do eleitorado», salienta o politólogo André Freire, investigador do ISCTE. António Costa Pinto, do Instituto de Ciências Sociais, que tem estudado as elites políticas, chama a este fenómeno uma «relação pouco saudável» que contribui para a noção de que existe tráfico de influências, distanciando ainda mais os governantes da sociedade civil.


A PONTA DO ICEBERGUE

Para perceber melhor essas ligações, a VISÃO analisou os relatórios e contas e os relatórios de governança das duas dezenas de empresas integradas no PSI 20, o principal indicador bolsista.

Cruzámos os nomes que integram cada uma das administrações com a lista de homens e mulheres que assumiram funções governativas desde o 25 de Abril.
Nas empresas que compõem o referido índice, 22 lugares de administradores (cerca de um em cada 10) estão ocupados por alguém que já esteve no Governo.

Desses, oito em posições executivas. Em duas dezenas de sociedades, 14 empregam antigos secretários de Estado e ministros.
«É um número significativo», comenta André Freire. «Mesmo que em algumas dessas empresas o Estado ainda tenha uma participação.»

Feitas as contas, com base nas cotações de segunda-feira, 6 (dia do maior crash de sempre da Bolsa lisboeta), podemos dizer que essas figuras políticas estão envolvidas na gestão de entidades que valem 50,7 mil milhões de euros - um terço do PIB português.

Este levantamento é apenas uma amostra do que existe por aí. Não inclui outras empresas, outros órgãos sociais, nem outros cargos políticos (como deputados e chefes de gabinete).

De fora da referida estatística ficam, assim, casos como os do socialista Pina Moura (ex-ministro da Economia, das Finanças e ex-deputado), que deixou a Assembleia da República para governar os destinos da Media Capital (dona da TVI) e da eléctrica espanhola Iberdrola; do social-democrata Luís Filipe Pereira, que foi ministro da Saúde com Durão Barroso e Santana Lopes (agora na Efacec), ou do actual presidente da Caixa Geral de Depósitos, Faria de Oliveira (nomeado seis vezes para o Governo, a última como ministro do Comércio e Turismo de Cavaco Silva, entre 1991 e Novembro de 1995).

Naquelas contas também não entram os escritórios de advogados e empresas de consultadoria onde trabalham antigos (e actuais) políticos, e dos quais os grupos económicos se socorrem para os representar ou para definirem estratégias.


ESCOLA DE GESTÃO?

Mas, afinal, o que vêem as empresas nos quadros políticos? O fenómeno já levou a deputada do Bloco de Esquerda Helena Pinto a afirmar que o «Bloco Central é a melhor escola de gestão do mercado».

A ironia não andará longe da realidade. António Bernardo, vice-presidente da Roland Berger, uma empresa transnacional de consultadoria estratégica, diz que a passagem pela política pode ser benéfica para o currículo de um gestor: «Um cargo político dá uma visão macroestratégica, se for bem exercido.»

Um político adquire treino a gerir pessoas e máquinas partidárias. E aprende a tomar decisões, sem provocar rupturas. Adquire capacidade de diálogo, aprende a convencer.

Parecem palavras decalcadas das que Murteira Nabo pronunciara momentos antes: «O que se aprende na política é a liderança, o comando de grandes organizações.»

Na óptica de António Costa Pinto, as empresas têm uma noção pragmática da utilização destes quadros como «facilitadores» e lobistas, com acesso rápido ao topo dos aparelhos partidários, do Governo, e, em muitos casos, a estruturas internacionais. «Esse papel de facilitadores remete também para a ineficácia de um sistema em que a relação entre política e economia é difícil devido à burocracia excessiva.»

A verdade é que, na sua transição do Governo para as empresas, os políticos levam consigo uma rede de contactos e conhecimentos que podem desbloquear situações. «Ter passado pela política dános essa abertura», admite Murteira Nabo.

Segundo Costa Pinto, a situação é fruto de o Estado ser um actor preponderante na economia, mantendo dependentes os grandes grupos, que contratam políticos para funcionar como agilizadores da actividade empresarial. Outro dado salientado pelo investigador é a reduzida taxa de profissionalização política no Governo. «Portugal tem das taxas de profissionalização da elite governativa mais baixas da Europa», argumenta.

A falta de currículo num determinado sector não é impeditiva de se ser chamado para um conselho de administração e muitas vezes as dúvidas são expressas pelos próprios pares.

Na Primavera passada, o antigo ministro da Indústria de Cavaco Silva e actual presidente do BCI Portugal (banco de capitais angolanos), Luís Mira Amaral, comentava ao Diário Económico: «O Paulo Teixeira Pinto, quando chegou ao Governo, nem sabia o que era um banco, nem Pina Moura o que era energia.» Recorde-se que Teixeira Pinto foi secretário de Estado da Presidência, no último Governo de Cavaco Silva e, anos depois, chegou à presidência do BCP.

Mesmo faltando-lhes um currículo relevante numa determinada área de trabalho, nota André Freire, «os políticos no seio das empresas sempre dispõem de melhores canais com o poder.» Existem casos paradigmáticos de pessoas com grande capacidade.

«Mas também há aqueles casos em que os indivíduos são escolhidos apenas por estarem na política», diz António Bernardo, para quem a presença de ex-governantes em 14 empresas do PSI 20 é razoável. «Há gente muito boa na política. Se forem bem escolhidos, podem desempenhar um excelente papel nas empresas.» O consultor acrescenta que «recomendaria [aos seus clientes] gente muito boa de todos os partidos».

Quem? Por exemplo, Alexandre Relvas, presidente do Instituto Social-Democrata e ex-director de campanha de Cavaco Silva. «E António Carrapatoso [presidente da Vodafone] faria um bom lugar na política.»

Consultando as listas do PSI 20, encontram-se casos em que a transição das empresas para a política é temporária: os tecnocratas independentes, uma aparição em qualquer Governo. São, entre outros, os casos de Artur Santos Silva, chairman do BPI, que já era banqueiro quando, em pleno PREC, fez uma passagem de 10 meses pela secretaria de Estado das Finanças. E também António Mexia, actual presidente da EDP, que tutelou as Obras Públicas, no efémero Executivo de Santana Lopes - um intervalo numa já avançada carreia de gestor.


PARA ABRIR CAMINHO

Aparece também quem reparta a vida profissional entre as duas carreiras, como Murteira Nabo. O primeiro cargo político assumiu-o em 1976, como vereador na Câmara de Lisboa, ano em que subiu à presidência da Rádio Marconi, onde entrara, oito anos antes, como economista estagiário.

A partir daí, dividiu a sua carreira entre a política e a gestão, até ter de sair do Governo de Guterres por causa de um problema relacionado com impostos (sisa). «Todas as pessoas o faziam, mas governante não pode fazê-lo», comenta. O escrutínio público a um governante é apertado. Nisso, admite, a vida profissional nas empresas é mais fácil.

Do Governo, Murteira Nabo foi para a presidência da Portugal Telecom e retomou a gestão. Hoje, reconhece à VISÃO que, se não tivesse passado pelas cadeiras do poder político, provavelmente não estaria na presidência não-executiva da Galp Energia, onde representa o accionista Estado.

E ainda há quem se dedique à política de alma e coração, acabando esta por se converter no trampolim para voos mais altos.
Armando Vara foi funcionário de balcão da agência da Caixa Geral de Depósitos em Mogadouro, Trás-os-Montes. Ingressou no PS. E, hoje, é vice-presidente do maior banco privado português, o Millennium BCP.


IMPEDIMENTOS

A rotação entre cargos políticos e empresariais, segundo explica Costa Pinto, ocorre, sobretudo, em regimes com pouca legislação sobre conflitos de interesses. Em Portugal, esse é um problema, pelo menos de imagem, e a legislação actual não é capaz de o resolver.

A lei em vigor estipula que, para um antigo governante poder exercer cargos de gestão numa empresa da área que tutelou, é necessário um período de «nojo» de três anos.

Contudo, o regime de incompatibilidades prevê uma série de excepções e tem omissões. Por exemplo, o interregno de três anos só é válido, entre outras situações, se, durante o mandato, a empresa tiver sido alvo de privatização.
Outro exemplo: nada impede um ex-ministro de trabalhar como assessor ou consultor numa empresa que tutelou.

Os partidos com assento parlamentar à esquerda do PS já avançaram com propostas que visam, nomeadamente, aumentar o período de nojo entre a saída do Governo e a entrada numa empresa do sector que se «governou». O Bloco de Esquerda defende um intervalo de dez anos, o PCP de cinco.

Na opinião de António Bernardo, da Roland Berger, têm de ser evitadas quaisquer situações passíveis de suscitar conflitos de interesse. Além disso, é preciso transparência e capacidade para as monitorizar. «Mas», afirma André Freire, «a regulação por lei é difícil.»

E as soluções não saltam como coelhos da cartola. É que além de serem, as coisas também têm de parecer sérias. E transparentes. Mais do que legislação, defende o politólogo, impõe-se haver uma mudança da cultura política, nos próprios partidos, que aceitam e relativizam situações menos transparentes, quando as deviam criticar.

Caso contrário, sempre que um ex-ministro convertido em gestor vai negociar com o Governo, levanta-se a suspeita do favor, sugerindo a existência de promiscuidade entre política e negócios. O sistema fica envolto em opacidade e essa é uma doença da democracia a qual, por causa disso, perde credibilidade junto da sociedade civil.

Corre-se o risco sério de nesta se instalar a ideia de «lá foram eles tratar das suas vidinhas».


Armando Vara

Cargo no PSI 20: vice-presidente do Millennium BCP (executivo)

Outros cargos de gestão: Vice-presidente da Fundação Millenium BCP.
Antes de ir para o BCP, em 2008, foi administrador da Portugal Telecom e da Caixa Geral de Depósitos, bem como de quatro empresas deste grupo

No Governo: com António Guterres, foi sucessivamente secretário de Estado da Administração Interna, secretário de Estado Adjunto do ministro da Administração Interna e ministro Adjunto do primeiro-ministro e da Juventude e do Desporto


Luís Valente de Oliveira

Cargo no PSI 20: administrador não-executivo da Mota-Engil
Outros cargos de gestão: vice-presidente da Associação Empresarial de Portugal, membro do conselho geral e de supervisão e do conselho do Millennium BCP. É presidente da mesa da assembleia geral de seis sociedades e pertence à direcção da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento

No Governo: ministro da Educação e Investigação Científica de Mota Pinto. Esteve presente nos três governos de Cavaco Silva, com a pasta do Planeamento e Administração do Território. Regressou à governação com Durão Barroso, tutelando a pasta das Obras Públicas, Transportes e Habitação


Jorge Coelho

Cargo no PSI 20: presidente da Comissão Executiva da Mota-Engil
Outros cargos de gestão: teve uma empresa de consultoria, a Congetmark, em cuja carteira de clientes surgem a Mota-Engil, Novabase, Visabeira, Martifer e Jerónimo Martins. Foi adviser da Roland Berger

No Governo: foi o homem-forte dos governos de Guterres - ministro Adjunto, ministro da Administração Interna, ministro da Presidência, ministro do Equipamento Social, ministro de Estado


Francisco Murteira Nabo

Cargo no PSI 20: presidente da Galp Energia (não-executivo)
Outros cargos de gestão: administrador não-executivo de empresas ligadas à Fundação Oriente, de que é curador, e outras, incluindo o Seng Heng Bank, de Macau. Passou pela presidência da PT, foi administrador do BES e presidiu à COTEC Portugal

No Governo: secretário de Estado dos Transportes do Bloco Central (Mário Soares) e ministro do Equipamento Social (primeiro executivo de Guterres)


Fernando Gomes

Cargo no PSI 20: administrador da Galp Energia (não-executivo)
Outros: preside à gerência de quatro empresas do grupo Galp Energia, à administração de sete e ao conselho consultivo de duas

No Governo: secretário de Estado da Habitação e Urbanismo do Bloco Central (Mário Soares), ministro Adjunto e da Administração Interna no segundo executivo de António Guterres


Joaquim Ferreira do Amaral

Cargo no PSI 20: administrador da Semapa (não-executivo)

Outros cargos de gestão: presidente da Lusoponte, sénior adviser do Dresdner Bank, consultor da Transdev. Foi, nos últimos anos, presidente da Galp Energia e administrador da Cimianto e da Enersis

No Governo: foi nomeado sete vezes para a governação. Começou como secretário de Estado das Indústrias Extractivas e Transformadoras, no Governo de Maria de Lourdes Pintasilgo, passou pelos executivos de Pinto Balsemão e do Bloco Central e foi o ministro das Obras Públicas Transportes e Comunicações das duas maiorias absolutas de Cavaco Silva


António Mexia

Cargo no PSI 20: presidente executivo do Conselho de Administração da EDP
Outros cargos de gestão: preside ao Conselho de Administração da EDP Renováveis (não-executivo). Passou pela administração do Banco Espírito Santo de Investimento e foi CEO da Gás de Portugal e da Transgás, além de vice-presidente e CEO da Galp Energia, presidente da Petrogal, Gás de Portugal, Transgás e Transgás-Atlântico

No Governo: ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações do Executivo de Pedro Santana Lopes

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