sábado, 20 de junho de 2009

Petróleo: "Há cartel na produção. Toda a gente sabe", diz Abel Mateus

por Luís Reis Ribeiro, Publicado no i em 19 de Junho de 2009

Vale a pena ler esta entrevista. Ao lê-la ficamos com a clara noção que o regulador, este que esteve e quem o substituiu, têm plena consciência da imoralidade que reina no mercado dos combustíveis. Tem plena consciência que não fez aquilo para que foi pago para fazer: Acabar com os Carteis e tornar o mercado concorrencial. Ainda assim acha que com a simples desculpa que o regulador tem falta de meios e de poderes acha que fica tudo bem.

Palavras para quê? É mais um artista Português...



"Abel Mateus, ex-presidente da Autoridade da Concorrência, fala sobre o passado e a crise



Abel Mateus, professor e investigador, deixou, há mais de um ano, a liderança da Autoridade da Concorrência (AdC). Nesta entrevista, fala do seu novo livro sobre a crise mundial, do estado da regulação em Portugal, da falta de vontade política em dar mais poderes aos reguladores. Mas não quis comentar as obras do governo.

Foi visto como um regulador interventivo, apontavam-lhe até excesso de intervenção. Concorda?

Numa perspectiva mais distanciada, penso que a regulação tem de ser guiada por duas balizas. Por um lado, é necessário intervir. Em grande parte, a crise financeira foi resultado de falta de regulação, portanto, se o regulador não intervém pode causar grandes prejuízos. Ele está lá para prevenir que isso aconteça e, se isso acontecer, para tomar os remédios apropriados. Por outro lado, é evidente que, se o regulador intervém demasiado, pode estar a interferir nas estratégias empresariais ou no funcionamento do mercado.

Conseguiu gerir bem esse equilíbrio?

É difícil avaliar a minha própria actividade. Estava a ser lançado um novo regulador em Portugal e era importante que as empresas percebessem que havia um conjunto de leis que antes estavam mais ou menos dormentes e que era necessário aplicar. É com grande satisfação que hoje ouço dizer que todas as empresas tomam em consideração os aspectos da concorrência. Um poder de mercado excessivo pode afectar os consumidores.

Sem a AdC, as duas ofertas de aquisição (OPA) em curso na altura - sobre o BPI e a PT - tinham avançado?

Nem uma, nem outra foram impedidas pela autoridade. A AdC travou três casos de fusões. Foram outras considerações, problemas com os accionistas...

A AdC não conseguiu provar a existência de cartéis nos combustíveis, bancos... É porque não há cartéis ou porque a AdC não tem meios para mais?

Em primeiro lugar, os cartéis existem em determinados períodos temporais específicos. Há certos sectores em que determinadas condições favorecem, por exemplo, o paralelismo de preços. Como toda a gente sabe, é o caso dos combustíveis. Eventualmente, noutros sectores de actividade, em que há mercado oligopolista - e, portanto, onde há um pequeno número de empresas e que a própria dinâmica do mercado muito homogénea -, também é mais fácil esse paralelismo. Para um tribunal julgar esse tipo de acções é importante provar que há comunicação entre os interesses. Só assim há cartel - e essa parte é muito difícil. Os meios jurídicos e de investigação que temos são bastante inferiores aos das melhores autoridades a nível mundial.

A lei portuguesa devia conferir mais poderes à AdC?

É uma avaliação que o governo é que tem de fazer.

Mas qual a sua opinião?

Acho que sim. A política da concorrência é fundamental para o país, é crucial para reestruturar a economia.

Onde é que sentiu que não tinha meios para intervir?

Nos poderes investigatórios, por exemplo. Não se pode aumentar os poderes investigatórios sem criminalizar cartéis. Temos que caminhar para lá - toda a Europa caminha para lá.

E porque é que em Portugal não se caminha nesse sentido?

Porque ainda estamos a começar a construir a cultura da concorrência.

Pode ser também por não interessar a determinados grupos de interesses?

Sim, mas isso acontece em todos os países. Alguns avançaram, outros não. Depende da opinião pública e daquilo que os partidos quiserem.

Não tem havido a coragem política em Portugal?

Se calhar.

Acha mesmo que não existe concertação no sector dos combustíveis?

Sobre isso não me posso pronunciar.

Mas analisou isso até à exaustão?

Está bem, mas quando saí havia vários estudos em curso, investigações incompletas. Tudo o resto, desconheço.

Neste último ano, assistimos à escalada e descida dos preços do petróleo, sempre acompanhada de ajustamentos nos preços dos combustíveis. Isso não sugere práticas de concertação?

Como disse, o paralelismo de preços é sempre um indício de que pode haver ou não concertação. Mas é preciso provar que há comunicação entre empresas. Isso é fundamental provar: eles encontram-se para combinar os preços? Não há evidência. E por isso nunca iniciámos nenhum processo.

Sentiu-se frustrado?

Não sinto nenhuma frustração. Nos EUA há total dedicação ao tema e até hoje não se confirmou a existência de cartel.

Então não existe?

Não sei. Mas é um mercado muito especial. O preço do petróleo está outra vez à volta dos 70 dólares e se houver recuperação económica vai continuar a subir. Mas já sabemos que há um cartel na produção. O problema é que são estados soberanos. A distribuição é apenas 10% a 15% do preço final. O preço já está determinado à partida, no momento da venda do crude, que vale 80% do preço final. Sim, há cartel na produção, toda a gente sabe. Se houvesse leis internacionais que proibissem estados de fazerem cartéis... Mas assim...

Os cartéis na produção não afectam só Portugal.

A nível mundial, só há três ou quatro grandes refinadores e distribuidores; a nível grossista, há muito poucos.

É esse o argumento da Galp: diz que é tomadora de preços em Roterdão.

Que é um mercado oligopolístico. Esses são problemas que influenciam muito o preço final.

Outro sector muito apontado pela defesa do consumidor é o financeiro.

Quero acreditar que há concorrência, mas também é uma área em que facilmente as práticas comerciais podem apontar para uma concertação. Mas estamos a falar de um mercado muito específico. As taxas de juro, por exemplo, são formadas no mercado, muitas vezes com base em indexantes - Libor, Euribor. São cotadas por um conjunto restrito de bancos. Isso não é uma prática de concertação. São características que podem levar as pessoas a pensar que há concertação. Mas não me parece que os problemas de concorrência nos bancos sejam decisivos, nesta altura, para o país.

A nacionalização do BPN é um processo de consolidação disfarçado?

Pode não ser. Uma concentração entre os dois maiores bancos do país é preocupante porque pode aumentar muito o poder de mercado deles. Uma fusão de médios ou pequenos favorece a concorrência, porque pode criar um quarto grande grupo - que concorrerá com os outros três, ou seja, aumenta a concorrência no mercado. Outro aspecto é que estas decisões de intervenção nos bancos têm de ser feitas de forma rápida.

No BPP foi demorado?

Foi, mas essas situações deviam ser estudadas antes, para evitar que se arrastem e para evitar decisões menos eficientes em termos de mercado.

Essa construção deve ser europeia?

Sim, mas adaptada à situação concreta de cada país. Um documento desses tem de contemplar todos os instrumentos que existem para resolver a situação de um banco em concreto. Mas parece que estamos muito mais preocupados em resolver casos pontuais. Quem incorreu riscos ou errou, tem que sofrer as consequências. Se o contribuinte vai sempre resolver a situação, está-se a criar o ambiente para a próxima crise.

É o caso do BPN e do BPP?

Não conheço os casos concretos.

O BPN foi nacionalizado.

Vamos ver quais serão as consequências finais, se haverá processos em tribunal?

Era demasiado grande para falir?

Não sei. Estávamos no início da crise e podia ter consequências sérias a nível da confiança no sistema. Mesmo na Europa, três ou quatro bancos foram deixados cair nesta crise.

E o BPP?

Não tenho dados concretos, nem vou fazer a avaliação caso a caso.

Não o preocupa o facto de haver empresas, construtoras, que dependem totalmente dos bancos?

Pois, não conheço as situações. Sei é que em qualquer crise imobiliária os intermediários criam situações como as que vimos em Espanha. Há imensa procura em Portugal para o mercado da construção civil. Temos de recuperar os centros urbanos. Para o turismo é fundamental.

Precisamos mais disso do que do TGV?

Não me quero pronunciar sobre certos projectos. Todos sabemos que o turismo é um dos sectores em que temos vantagens comparativas a nível europeu.

O dinheiro para grandes obras públicas, como o TGV ou o novo aeroporto, não podiam ser gastos de outra forma?

Não posso acrescentar nada ao que já disse. Talvez falemos noutra altura sobre isso.

Não elevam o risco de os portugueses virem a pagar mais impostos?

Desculpem, mas podíamos parar aqui...

Não acha que as crises financeiras são cada vez mais frequentes?

Não sei se as crises estão a tornar-se mais frequentes ou não. O que é verdade é que as crises financeiras têm uma dimensão mais global. Todos esses instrumentos estavam fora do balanço dos bancos desde os anos 90, mas só agora é que se deu a crise. Mas quando bem aplicados, são muito bons. Aumentam muito a eficiência do sistema, podem ser muito úteis para fazer cobertura de risco. Têm é de ser utilizados por pessoas que sabem.

A sofisticação do sector financeiro não poderá dar a volta às actuais tentativas de maior regulação?

O regulador tem de estar um passo à frente do operador de mercado.

E está?

Muitas vezes está.

E de que precisa o regulador para estar um passo à frente?

De ter as melhores pessoas. Foi uma das coisas que falhou nos reguladores europeus. Quando vai ver as operações, o regulador tem de perceber o que está lá.

Sentiu isso quando esteve no Banco de Portugal? Que não tinha os meios necessários?

Eu acho que isso é um problema geral da regulação em Portugal. É a falta de meios. Entre 1992 e 1998 estive no Banco de Portugal. E nessa altura havia já claramente um problema de falta de recursos que o governador tinha. Para ter boas pessoas, tem de ter as condições do mercado. Veja onde estão as pessoas que sabem muito dessas matérias: estão nas auditoras.

São justas as críticas e acusações recentes que têm sido feitas ao Banco de Portugal?

Há várias críticas que têm sido feitas que apontam para problemas sérios no caso português. É preciso reforçar a capacidade do departamento de supervisão.

Mais poderes?

Sim. Por exemplo: quando se levantam processos-crime contra gestores, depois, muitas vezes esses processos não têm seguimento ao nível do sistema judicial. Por falta de uma colaboração eficiente entre o Ministério Público e o Banco de Portugal, porque muitas vezes os juízes não compreendem os problemas mais complexos. Na área da concorrência temos os mesmos problemas. É preciso que o sistema judicial se especialize.

Não sente o apelo de voltar à área da regulação?

Não sou eu que defino. São escolhas que os governos fazem."

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